Alterações na morfologia do
cão Fila Brasileiro ao longo do tempo.
Temperamento e comportamento; instinto, condicionamento, nervos
e coragem.
Os cães da raça Fila Brasileiro eram tradicionalmente criados em bandos
nas fazendas de Minas Gerais, e os visitantes podiam ser recebidos nas sedes
com tranquilidade. O instinto de guarda se manifestava no momento que estranhos
chegavam, mas posteriormente ao serem recebidos pelos donos, eram deixados em
paz pelos cães, em geral. Os fazendeiros se orgulhavam desta característica de
seus cães “ pode chegar agora. Eles já viram que está comigo”. E repreendiam
qualquer tentativa dos cães de fazerem guarda, até que todos se acomodavam.
Atualmente vemos os cães serem criados exclusivamente para guarda,
refletindo-se a insegurança das metrópoles, sendo treinados e condicionados
desde a mais tenra infância para agredir indiscriminadamente qualquer pessoa
que adentre o território.
Acima, matilha na fazenda de Pedrinho do Engenho na década de 1950, e à
direita o cão Danúbio ao ser registrado pela equipe de árbitros do Cafib, por
volta de 1980, sabiamente aprovado embora não demonstrasse qualquer sinal de
guarda na nossa presença. Não há como testar o temperamento de cães criados à
solta, com raras exceções. O cão Danúbio, a despeito de seu comportamento
indiferente a estranhos, ao ser acasalado com a cadela Urá de Paraibuna, gerou
excelentes filhotes , de temperamento de guarda, ao serem criados no meio
urbano.
Acima, cães da criação de Juca de Luizinho, em Malacacheta MG, 1980. À
esquerda, criados à solta, o cão Falcão (registrado em exposição pelo Cafib) e
uma cadela da fazenda, receberam muito bem ao meu filho Daniel. Seu Juca dizia:
“agora que já chegaram comigo, pode ter confiança”. À direita, foto de cães da
mesma linhagem com pessoal da fazenda. A observação atenta de nossa chegada,
não os leva a atacar sem motivos e isso era considerado elemento importante na
seleção dos animais, revelando equilíbrio. Estariam os fazendeiros errados?
Hoje estes comportamentos poderiam ser interpretados como falta de
temperamento.
Para o Original Fila Brasileiro, vamos estudar mais sobre esta questão. Exacerbando-se
o comportamento reativo e a percepção de ameaça nas seleções, não estaremos
alterando o cão?
Acima, matilha de cães de
Pedrinho do Engenho, que originaram a criação José Gomes.
Acima,
matilha com origem na criação José Gomes, quase um século depois.
Visita a Varginha em 2010, na propriedade do Sr. Aladir (já falecido), que
casado com neta do Sr. José Gomes, herdou desde o casamento três cães
presenteados pelo próprio fazendeiro. Os cães permaneciam soltos na fazenda em
matilha. Ao chegarmos, eu e Marcelo Castro, fomos vigorosamente repelidos pelos
cães, até à chegada do dono. Cerca de meia hora depois de sermos recebidos, e
na presença do dono, os cães se tornaram tranquilos com nossa presença.
Observe-se uma das cadelas com o pelo do dorso um pouco arrepiado com minha
presença; vigilante porém obediente ao dono, não atacou.
Orgulhosamente Sr. Aladir nos garantiu não ter motivos para temer : “fique
tranquilo que comigo aqui eles me respeitam”. Em um momento em que ficamos (eu
e Marcelo) sozinhos na sala da casa, me senti vigiado pelo lado de fora, com
olhares desconfiados e rosnados em tom baixo e grave, especialmente de duas
fêmeas mais dominantes. Com a volta do “seu Aladir”, todos se acalmaram
novamente.
É importante nos perguntarmos se não estaremos alterando a propensão a
este comportamento respeitoso com os donos. Recentemente um amigo e juiz da
raça me reclamou de um cão ainda jovem que ganhou filhote, ter estranhado sua
esposa e posteriormente ter rosnado para ele mesmo, o que o fez dispor do cão. Não
creio que este seja um comportamento normal do Fila Brasileiro. Até onde sei,
não precisávamos tratar esta raça com forte controle de dominância humana. Minha família sempre conviveu com meus cães, assim
como amigos da casa. Nunca precisei evitar os folguedos de todos com eles, e
nunca tivemos demonstrações de desrespeito. O que não impedia de cães como
Poguaçu ou Pungirum do Caramonã, se tornarem exemplos de braveza nas exposições
do Cafib e Unifila.
Já tenho ouvido relatos de proprietários que seus cães não toleram que
qualquer pessoa, mesmo de casa, se
aproxime quando o dono está junto ao animal e lhe toque. Para mim é indício de
problemas. Ao se selecionar acasalamento de cães com esta propensão, estamos
selecionando problemas. A isto se soma o
conceito de que o FB. não deve ser adestrado – diga-se dominado.
Acima, a então jovem Sra. Rosemari Chalmers, com a matriarca Mariazinha,
que se comportava como animal de fazenda, recebendo bem as visitas após a
recepção pelos donos na casa.
Esta matriarca que gerou tão bons cães para a raça Fila Brasileiro, se
fosse nos dias de hoje, talvez não chegasse a obter um RI.
Acima, em uma apresentação que organizei para
juízes do Cafib, quando o clube se iniciava,por volta de 1980, em Teófilo Otoni.
Galã e Loba II eram cães de fazenda, criação de Juca de Luizinho, Malacacheta,
MG. Como na análise de temperamento realizada para RI, os cães não tiveram
reação alguma diante “daquela luvinha” do juiz, o proprietário dos cães quis “mostrar
o que é temperamento” e organizou uma demonstração. Conseguimos um boi bravio,
de chifres, para a demonstração. Ao perceber a agressividade do animal, tendo o
peão entrado no curral, os cães rapidamente passaram ao agarre, contendo o
boi, demonstrando coragem e determinação.